quinta-feira, 8 de março de 2012

O programa nuclear iraniano e a relação Israel-Estados Unidos no debate das eleições americanas.

Por Antônio F. de Brito, de Salvador

Obama se reúne na Casa Branca com o primeiro-ministro israelense

Nós últimos dias, o debate sobre a posição do imperialismo frente ao programa nuclear iraniano tem esquentado. Declarações foram feitas pelos governos de Israel e dos Estados Unidos, respostas foram dadas pelos iranianos, e o tema entrou na disputa das primárias do Partido Republicano nas eleições para presidência americana. É necessário buscar compreender esta disputa que está por trás dos últimos acontecimentos.

A polêmica entre Obama e Netanyahu: um acordo estratégico e divergências táticas
Em muitos meios de comunicação está sendo veiculada uma espécie de disputa entre o presidente americano, Barack Obama, e o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. De fato, apesar de coincidirem estrategicamente, os dois governos divergem no momento sobre a tática para lidar com a situação no Irã.

Israel é a principal potência militar e a única potência nuclear do Oriente Médio. Como se trata de um estado criado artificialmente através da expulsão de milhões de palestinos de suas terras, Israel necessita manter a sua hegemonia militar intacta. Qualquer desequilíbrio de forças na região pode significar uma ameaça às intenções do estado israelense de consolidação e ampliação de seu território. 

O atual governo, do partido direitista Likud, tem tido uma política consciente de ampliar e fortalecer os assentamentos judeus em território Palestino como parte deste plano estratégico de ocupação e expulsão. Os Estados Unidos têm em Israel seu principal aliado no Oriente Médio, um posto avançado para os interesses americanos na principal região produtora de petróleo do mundo. Assim, tanto para Israel, como para os Estados Unidos, o programa nuclear iraniano representa uma ameaça real aos seus interesses.

No entanto, os dois governos divergem na política imediata para resolver a crise com o Irã. Desde 2008, o presidente americano implementa uma dupla política para o Irã: de um lado a pressão econômica e diplomática e do outro uma série de operações secretas de sabotagem. Com a pressão diplomática, Obama tentou reverter a situação que encontrou no início do mandato em que não existia um consenso consolidado dentre os países imperialistas e seus aliados quanto à questão do Irã. Com uma forte campanha diplomática o governo americano ganhou tempo para compor um arco maior de pressão sobre o Irã que resultou em sanções econômicas cada vez mais duras contra o país. Por outro lado, uma série de operações secretas articuladas entre o serviço de inteligência americano (CIA) e o israelense (Mossad) deflagraram uma série de ataques e sabotagens contra o programa iraniano. A lista de ações vai de venda ilegal de material falho para usinas iranianas, infecção dos computadores do país com vírus, até o assassinato sistemático de cientistas do Irã.

A posição do governo israelense é mais radical. Netanyahu e representantes do governo cobram dos americanos uma ação militar imediata. Israel, nos últimos anos, ampliou suas políticas militaristas contra os palestinos e outro países da região (à exemplo do ataque à Gaza em 2008, à flotilha de solidariedade em 2010 e a invasão no Líbano em 2006) e as medidas repressivas contra os árabes que vivem em território israelense. Seguindo a linha de nenhuma tolerância a qualquer fato que ameace seu poder, o governo Netanyahu defende abertamente uma operação militar contra o Irã. Até o momento, o governo israelense espera o sinal verde dos americanos para a ação, mas não está descartada uma ação “independente” em médio prazo.

Para o governo Obama não é tão simples abrir uma nova frente de batalha no Oriente Médio. Com uma eleição para disputar este ano, o presidente americano precisa ter cautela ao avaliar os impactos de uma nova guerra. Uma guerra de invasão e ocupação neste momento precisa ser evitada. Obama ainda administra a saída do Iraque e a ocupação no Afeganistão, depois de 10 anos de muito desgaste que custaram aos EUA cerca de US$ 4 trilhões e a vida de 7 mil soldados. Além disso, ataques realizados pela Força Aérea não resolveriam simplesmente a questão. O Irã é o terceiro exportador mundial de petróleo e tem a terceira maior reserva do mundo. Um desequilíbrio na produção e suprimento aos países imperialistas num momento de grave crise econômica pode ser decisivo nos planos de Obama para o período eleitoral e a tentativa de recuperação da economia do país. O ataque também poderia servir para fortalecer internamente o governo de Mahmoud Ahmadinejad, questionado por manifestações nos últimos anos e que acaba de perder base de apoio na recente eleição do país.

Do mesmo modo, num momento em que as tropas são retiradas do Iraque e em que há um visível enfraquecimento do Talibã e da Al-qaeda, a agressão ao Irã poderia ampliar as ações de massas contra os EUA e seus aliados na região, bem como fortalecer grupos políticos como Hamas e Hizbollah, que ainda têm fortes atritos com Israel. Todas estas considerações mantêm neste momento os EUA fora da perspectiva imediata de uma agressão militar ao Irã.

O programa nuclear iraniano nas eleições americanas
 Como não podia deixar de ser, a questão do Irã tomou parte importante do debate das eleições americanas tanto nas primárias republicanas como na agenda do presidente em campanha. Os pré-candidatos republicanos aproveitaram a situação para capitalizar politicamente a divergência entre Obama e Netanyahu. Mitt Romney, que lidera as primárias republicanas até agora falou em seu discurso, em Atlanta, que “o presidente falhou em impor sanções eficazes contra o Irã e falhou ao não deixar claro que é inaceitável para a América que o Irã tenha armas nucleares”. O pré-candidato foi categórico ao dizer que “se Barack Obama for reeleito, o Irã terá armas nucleares”. Já o seu rival na corrida republicana, Rick Santorum, acusou Obama de virar as costas a Israel e afirmou: “precisamos fazer mais do que apenas falar”. Newt Gingrich foi além ao afirmar que apoiaria o direito à sobrevivência de Israel “se um primeiro-ministro israelense decide que deve evitar um segundo holocausto através de medidas preventivas”.

Enquanto isto, nesta terça, Barack Obama se reunia com o presidente israelense Shimon Peres e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na conferência do Comitê Americano-Israelense de Assuntos Públicos (AIPAC), onde estiveram presentes mais de 13 mil delegados e para onde se voltaram os olhos de toda a comunidade internacional.

O AIPAC é a principal organização de lobby pró-israelense dos Estados Unidos. Em seus discursos na conferência, após celebrar as relações entre ambos os países, tanto Netanyahu quanto Peres pressionaram Obama a uma posição pública mais decidida sobre o tema. O presidente sionista exigiu: “Presidente Obama, deixe claro que os EUA não vão permitir que o Irã se torne uma potência nuclear (...) e que todas as opções [de intervenção] estão na mesa”. Já o primeiro ministro israelense fez um discurso pelo tom raivoso, desafiante e pelo contorcionismo histórico de seu conteúdo, típico da tradição sionista. Segurando cartas do tempo da Segunda Guerra Mundial, Netanyahu comparou os iranianos com os nazistas, e relatou o episódio em que o Departamento da Guerra americano se recusou a bombardear o campo de concentração de Auschwitz sob o argumento de que poderia levar à mais ações vingativas, numa clara alusão ao impasse atual com o Irã.

Em seu discurso diante dos lobistas sionistas, Barack Obama fez questão de deixar clara sua posição de aliado incondicional de Israel e dos objetivos políticos estratégicos que ambos os países têm em comum, e também respondeu aos pré-candidatos republicanos. Em seu pronunciamento, mesmo afirmando a necessidade de continuar a pressão diplomática e econômica, Obama disse que não deixa “nenhuma opção fora da mesa” e que “não duvidará em usar a força para defender os Estados Unidos e seus interesses”. E aproveitou para rebater os republicanos: “se fala demais em guerra e durante as últimas semanas e estas falas só beneficiaram o governo iraniano (...) quando se trata da segurança de Israel e dos EUA não é o momento para bravatas, é o momento de deixar fazer efeito a pressão e manter a coalizão internacional que construímos”.  

Juntamente com o discurso na AIPAC, o anúncio de que as conversações seriam retomadas entre o Irã, a Agência Internacional para Energia Atômica e um grupo formado por EUA, Inglaterra, Alemanha, Rússia, China e França, ajudam a respaldar a política americana. Pelo menos por enquanto, Obama ganha tempo para recompor sua posição no debate sobre Israel dentro da disputa pela Casa Branca.

Os judeus são cerca de 2% da população americana e o maior grupo de pressão sobre a política americana. Mas o debate sobre Israel não só transborda, e em muito, a comunidade judaica americana, como a afeta sob diferentes perspectivas. É fato notório que a linha-dura do governo israelense se inclina por um candidato republicano, partido que é visto como o mais alinhado à atual política do governo israelense. Os grupos lobistas pró-israel, onde se agrupa a burguesia judaica e de onde saem volumosas quantias de dinheiro para as campanhas, também têm uma ligação histórica com uma parcela importante da direita religiosa nos EUA, em especial os grupos evangélicos fundamentalistas,  tradicional base de apoio dos republicanos. Contraditoriamente, quase 75% da população de origem judaica nos EUA votou nos democratas nas últimas duas eleições. Segundo pesquisa do American Jewish Committee, os judeus americanos também são o grupo étnico menos religioso e que tem posições mais liberais sobre temas polêmicos como aborto, casamento gay e relação entre igreja e estado.

Assim, seja qual for o cenário, o debate em torno da questão israelense será mais uma vez parte importante das eleições americanas. O desenrolar da crise iraniana vai ser o grande fato político neste campo. O resultado das primárias republicanas, o desenvolvimento da crise econômica, e como chegará Obama até o período eleitoral são fatores que vão pesar nesta disputa.

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