domingo, 28 de abril de 2013

O PCB, o PT e a justiça de classe no Brasil: uma polêmica com o governismo da corrente O Trabalho



Carlos Zacarias de Sena Júnior[1]

Em maio de 1947, o Partido Comunista Brasileiro (chamado, na época, de Partido Comunista do Brasil) teve seu registro cassado. A manobra de cassação da legenda do PCB veio no ensejo da Guerra Fria, mas não deixou de ter traços do contumaz e recorrente anticomunismo verde e amarelo. Este deu o ar da graça antes mesmo de Churchill pronunciar seu famoso discurso em Fulton, nos Estados Unidos, devido ao imenso prestígio do PCB e de sua principal liderança, Luiz Carlos Prestes.
A urdidura do processo que culminou na decisão do Superior Tribunal Eleitoral (STE – as vezes chamado TSE) teve participação ativa das bancadas da UDN e do PSD no Congresso constituinte eleito em 1945 e que contava com a presença de 15 comunistas. Foi, todavia, o deputado Barreto Pinto, do PTB, que intercedeu, junto ao ex-procurador do Tribunal de Segurança Nacional, Himalaya Virgolino, fazendo uma representação ao STE pela cassação do registro do partido de Prestes, alegando as posturas antipatrióticas dos comunistas.[2] Tal alegação fazia alusão às posições de Prestes que tinha respondido a uma provocação de Juracy Magalhães que lhe havia perguntado de que lado lutariam os comunistas no caso de uma guerra entre o Brasil e a URSS. Prestes, então secretário-geral do PCB e senador mais votado do país não deixou de enfrentar a provocação, e respondeu: “Combateríamos uma guerra imperialista contra a URSS e empunharíamos armas para fazer a resistência em nossa pátria, contra um governo desses, retrógrado, que quisesse a volta do fascismo. Se algum governo cometesse esse crime, nós, comunistas, lutaríamos pela transformação da guerra imperialista em guerra de libertação nacional”.[3]
A legenda do PCB foi cassada por três votos a dois e no seu parecer o juiz Sá Filho, também relator do processo, deixou claro do que se tratavam as denúncias e o seu anticomunismo latente, afirmando que logo após ser registrado o PCB “passou a exercer ação nefasta, insuflando luta de classes, fomentando greves, procurando criar ambiente de confusão e desordem”. Referindo-se a eleição de uma importante bancada (a quarta maior da Constituinte) e os 10% dos votos depositados no candidato Yedo Fiúza, representante do PCB no pleito presidencial que deu a vitória ao general Eurico Gaspar Dutra (PSD), Sá Filho arguia que o PCB não era um partido brasileiro, “mas dependente do comunismo russo” e retomava o episódio acima referido em torno de uma eventual guerra da URSS com o Brasil para concluir ser o “bastante para demonstrar a colisão do partido com os princípios e direitos fundamentais do homem”.[4]
Qualquer um que conheça este período da história do Brasil sabe que o processo de cassação da legenda do PCB só foi possível em função do sentimento anticomunista que imperava, haja vista que a política do PCB durante a primeira metade da década de 1940 foi justamente a de evitar as greves, temendo que as paredes dessem margem à reação. Sob a inspiração da linha de União Nacional e da consigna “ordem e tranquilidade”, pronunciada por Prestes em seu discurso no estádio do Vasco da Gama poucos dias depois de sua libertação, em abril de 1945, os comunistas faziam de tudo para evitar as paralisações que acirravam a luta de classes, entendendo que na hierarquia das contradições (teoria do campismo) prevaleceria a luta entre a democracia e o fascismo, o que punha em segundo plano a luta entre o capital e o trabalho.
Os comunistas entendiam, já em 1938, que era possível apoiar Getúlio em “seus atos democráticos” e apostavam que o governo Vargas era um governo em disputa entre setores progressistas e americanófilos (pró-estadunidenses), representados pelo ministro Oswaldo Aranha, e os setores reacionários e germanófilos (pró-alemães), representados pelos ministros Eurico Gaspar Dutra e Góes Monteiro.
Os pecebistas pagaram um alto preço pela sua política de colaboração de classes, justo num momento de grande ascensão das lutas populares e de abertura de uma nova vaga revolucionária mundial, o que contribuiu, inclusive, para a eleição de vários parlamentares comunistas no Brasil, o que também veio a acontecer em outras partes do mundo. E de tanto acreditarem na democracia e na luta parlamentar o PCB não apenas teve o seu registro cassado em maio de 1947, como viu todos os seus parlamentares serem também cassados em janeiro do ano seguinte, isso sem que nenhuma mobilização de rua tenha sido registrada.
Os comunistas do PCB podem ter cometido muitos erros, mas não faziam parte do governo central, não formavam a maior bancada do Congresso, não faziam acordos espúrios com os partidos reacionários e não tinham ainda conseguido consolidar uma central sindical no Brasil. Para completar, os comunistas ainda perderam a direção da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1945 nos marcos da investida liberal e anticomunista iniciada naquele ano desde que o partido havia se aproximado de Vargas e do seu governo com a palavra de ordem “Constituinte com Getúlio”. Portanto do que se fala é de um partido que, mesmo nos seus imensos erros, esteve sempre de um lado da trincheira, enfrentando as adversidades e os duros anos de clandestinidade.
A propósito de um texto meu publicado na edição de 15 de março de 2013 no jornal A Tarde, Uma lembrança para o Supremo, o dirigente municipal do PT e membro da corrente O Trabalho, Paulo Riela, escreveu um artigo Missãonobre do Supremo?, publicado no site da CUT-Bahia defendendo a tese da minha capitulação “frente à ameaça que paira sobre todas as organizações sindicais e populares como a CUT, MST e UNE, inclusive o partido que faz parte”. Arguindo que defesa que fiz de uma firme posição do Supremo diante do julgamento do mensalão (Ação Penal 470), de quem se espera uma atitude mais nobre do que aquela do STE de 1947/48, Riela defende que esta minha posição faz coro com o PSDB “porta voz do imperialismo estadunidense” e com as vozes da grande mídia brasileira que teria “partidarizado o julgamento”. O dirigente petista afirma que a minha postura “[e]stimula, ao invés de combater, o processo de judicialização da política em curso no Brasil”.
Pelo seu artigo Riela se refere a fatos concretos de cotidiana e covarde criminalização dos movimentos sociais e populares, mas se esquece de dizer que é no governo do PT que este processo se intensifica. Cita fato ocorrido com o presidente de um sindicato de trabalhadores rurais em Rondônia “condenado por uma greve a 1.000 km de sua base ou no caso recente” e também o caso dos 72 estudantes da USP que estão sendo acusados de formação de quadrilha pelo Ministério Público de São Paulo devido às manifestações que realizaram contra a presença da Polícia Militar no campus. Obviamente que o petista não disse que entre os 72 acionados, existiam membros da ANEL, e que estivemos ao lado dos presos dando todo o apoio político e jurídico necessário. Também não se referiu ao caso da desocupação de Pinheirinho, quando milhares de famílias foram despejadas sem que nenhuma voz do Governo Federal tivesse condenado enfaticamente a ação da PM de Geraldo Alckmin. Também não escreve um parágrafo sobre a repressão nas obras do PAC, a exemplo do que aconteceu semana passada em Belo Monte, com a invasão pela força nacional de segurança, reprimindo trabalhadores em greve a mando do governo Dilma.
Por fim, Riela parece não se dar conta de que a lei antigreve do funcionalismo, surgida desde as jornadas de 2012, começa a ser seriamente pensada pelas mentes mais “lúcidas” do petismo no Congresso. O petista faz uma manobra rasa ao tentar articular minha posição com a defesa do Supremo, o que seria, em última instância, uma defesa da justiça de classe no Brasil. Não obstante não explica o porquê de o seu partido, que defendeu Renan Calheiros e Sarney, que se aliou com Maluf e Collor e que tem acordos espúrios com o PSC de Marco Feliciano e a bancada evangélica no Congresso, não mobiliza um décimo dos trabalhadores que são representados pela CUT para lutar contra as mortes no campo, contra a criminalização de sindicalistas e contra a humilhação que os governos petistas impõem ao funcionalismo, inclusive o funcionalismo público da Bahia que permanentemente se enfrenta com o governo de Jaques Wagner.[5] Seria bom vermos a CUT empunhando bandeiras na defesa dos trabalhadores e não apenas se manifestando contra a criminalização dos réus do mensalão, que devem sim ser condenados pela justiça e terem também os seus mandatos cassados. Argumentar a inexistência de provas é uma tentativa de tapar o sol com a peneira, uma afronta à inteligência dos trabalhadores e ao sentimento da maioria dos brasileiros que exige punição para os culpados. A tática da defesa de confessar o crime de caixa dois é uma saída desesperada que mostra como infelizmente o Partido dos Trabalhadores se atolou na mesma fétida lama dos partidos burgueses, boa parte deles aliados de primeira hora dos petistas.
Todo o desespero do petismo se relaciona ao isolamento do partido no caso do mensalão e à tentativa dos governistas de evitarem que as lutas em 2013 repitam as jornadas de 2012. Os governistas batalharam nas assembleias para evitar que os trabalhadores se manifestassem em Brasília no dia 24/04 pela anulação da reforma da previdência de 2004, comprada com o dinheiro sujo do mensalão e das negociatas do Congresso e não se envergonham de defenderem o lobista José Dirceu e os demais mensaleiros. Em vista disso, buscam subterfúgios para equiparar as manifestações à esquerda às posições oportunistas dos reacionários da burguesia brasileira que volta e meia se alia aos petistas contra os trabalhadores. Em muitos casos o PCB lutou contra as greves, mas o fez sempre em função da política do stalinismo e daquilo que acreditavam ser a defesa da URSS, a “pátria do socialismo”. Pagaram um alto preço por isso, sendo os trabalhadores os principais derrotados. Os petistas de hoje, em sua imensa maioria, lutam por cargos e assessorias e ainda defendem um governo que criminaliza os movimentos sociais e nem no plano nacional consegue se igualar ao moderado progressismo dos nacionalismos burgueses do continente. É triste a trajetória do petismo e de organizações que lhes dão total apoio, como a corrente interna O Trabalho.



[1] Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia.
[2] Cf. SENA JÚNIOR, Carlos Zacarias de. Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil. 1936-1948. São Paulo: Annablume, 2009, p. 285.
[3] BRAGA, Sérgio Soares (Org.). Luiz Carlos Prestes; o constituinte, o senador (1946-1948). Brasília: UNB, 2003, p. 88.
[4]              PCB, processo de cassação do registro (1947). Belo Horizonte: Global Editora, 1980, p. 4.
[5]              Após enfrentarem uma greve de 116 dias em 2012, os professores da educação básica na Bahia e os policais militares que fizeram uma paralisação de 15, realizaram vigorosa campanha contra o candidato petista, o que  ajudou a eleger ACM Neto (DEM) para comandar Salvador.

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