segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Sobre o desaparecimento de Davi Fiúza.


Mais uma vez estou aqui redigindo linhas de um texto que não desejaria de modo algum escrever. Nos últimos dias tenho acompanhado atentamente pela imprensa o drama vivido pela família Fiúza. Davi Fiúza, um jovem negro de apenas 16 anos, está desaparecido há 17 dias. Segundo relato da família e dos moradores do bairro de São Cristóvão o garoto foi levado na porta de casa na manhã do dia 24/10 numa operação policial. Na operação em questão estavam envolvidas uma unidade da RONDESP, uma da PETO e dois carros sem identificação que levaram o jovem Davi sem nenhuma justificativa mesmo diante dos apelos dos moradores que presenciaram a cena.

É profunda a indignação que me causa o relato deste caso. Mais uma vez estamos diante de um triste exemplo do que falamos todos os dias e denunciamos durante as eleições. Existe uma prática institucionalizada de criminalização da pobreza e da juventude negra. De que outra forma poderíamos justificar a sensação de impunidade que permite que policiais sintam-se a vontade para sequestrar em plena luz do dia um jovem negro na porta de sua casa diante dos olhares e dos protestos dos moradores? E o pior! Mesmo após a denúncia feita pela família a Corregedoria da polícia militar nenhum avanço concreto se deu nas investigações deixando a família de Davi entregue à própria sorte.

 Não há como não se questionar: Ocorreria o mesmo se fosse Davi um garoto branco, ou se o seu endereço fosse o Alpha Ville e não a comunidade de Vila verde no bairro pobre de São Cristóvão? Não, não se trata de um caso pontual fruto da ação isolada de “maçãs podres” no interior da corporação. Este raciocínio limitado não explica as elevadas taxas de violência em nosso estado, não explica também porque a polícia baiana está entre as que mais mata no Brasil e não explica também porquê casos como o de Davi estão se tornando uma infeliz rotina que se abate sobre as famílias negras da periferia de Salvador e das maiores cidades da Bahia. É a própria estrutura militarizada de polícia que enxerga a população, particularmente a população negra, como inimiga e os jovens negros como potenciais criminosos, que alimenta a reprodução desses tipos de caso tão bárbaros.

As feridas do caso Geovane, outra vítima inocente da violência policial, ainda estão abertas.  Na verdade essa tem sido a rotina do povo negro na Bahia, um luto permanente, uma dor que mistura indignação, medo, revolta e ás vezes desespero. Mesmo sendo humildes e com poucos recursos financeiros a família Fiúza se uniu e no desejo de respostas agora oferece uma recompensa em dinheiro para quem der alguma pista sobre o paradeiro do jovem Davi.

Transmito a família Fiúza toda minha solidariedade. Como negro, nascido e criado na periferia convivo de perto com essa realidade que tanta dor causa ao povo negro. É inaceitável a nota oficial publicada pela Corregedoria da polícia onde identificamos que nenhum avanço concreto se deu nas investigações. A secretaria de segurança pública e o governador Jaques Wagner precisam se posicionar. Nós queremos respostas! Aonde está Davi?

Este caso só reforça a necessidade de seguirmos com a luta contra o extermínio da juventude negra na Bahia e também no Brasil. Infelizmente, em pleno “novembro negro” precisamos gritar em alto e bom som que o racismo segue presente na nossa sociedade oprimindo, humilhando e levando a morte negros e negras todos os dias. Já passou da hora de encarar a discussão sobre a estrutura policial no Brasil. Não é à toa que mais da metade da população brasileira não confia na polícia e, não é à toa que uma pesquisa recente demonstrou que até mesmo 70% dos policiais são favoráveis a desmilitarização da polícia.

 O governador eleito Rui Costa que defendeu durante sua campanha um aumento do aparato repressor com a criação de uma espécie de “BOPE” na Bahia precisa se posicionar. Qual será a postura do próximo governo? Investir em repressão e manter tudo como está, ou chamar os movimentos sociais, o movimento negro, e fazer o necessário debate sobre uma nova política de segurança pública?


Por fim, reafirmo minha solidariedade com a família Fiúza e compartilho o desejo para que esta situação seja solucionada.  A pergunta não pode ficar sem resposta: Comando da polícia, secretaria de segurança pública, governador Wagner, AONDE ESTÁ DAVI?

Carlos Nascimento,
ex-candidato a vice-governador pelo PSTU.

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