sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Apropriação Cultural: racismo ou assédio capitalista?

|Por Gleide Fraga, do Blog Feminismo sem Demagogia

A questão da apropriação cultural nasce de uma perspectiva vista há algumas décadas atrás, mas pouco se debate a respeito desse assunto, porque muitas correntes pós-modernas desconsideram a origem da apropriação em si, gerando um questionamento generalista e que confunde as questões que envolvem o que seria e como se difunde a apropriação cultural.

É importante o debate acerca da valorização de uma cultura, seja ela para que valores ancestrais permaneçam, seja para que o percurso tomado pela humanidade não perca a história de um povo, seja pra que a história desse povo prevaleça como uma forte idealização de identidade cultural para os herdeiros dessa cultura.

O que poucos sabem, mas já aconteceu e ainda acontece, é que várias culturas morrem não só porque seus adereços foram banalizados; e sim porque sua história foi esquecida através do esmagamento de outras culturas que se intitulam “dominantes”.

A dominância de uma cultura se dá neste momento através dos meios de industrialização, e é assim que a cultura eurocêntrica vende e enriquece através da apropriação cultural. Inserindo modelos eurocêntricos na história de povos que foram de alguma forma, dominados pela escravidão ou pela colonização.

No mundo, houveram várias manifestações da apropriação cultural, em movimentos sociais marcados pela arte através da música, como o rock que foi criado através de uma perspectiva de manifestações pelo movimento negro, e hoje abriga inclusive, vertentes fascistas e é tido como um ritmo racista que não abre mais margem para o público negro; através da religião que foi deturpada por elementos de religiões europeias; e embranquecimento da história de povos que construíram grandes histórias e realizaram grandes feitos pelo seu povo. Um grande exemplo disso foi o povo egípcio, grandes conhecedores de engenharia, matemática, física, e inclusive medicina, cujo “pai da medicina” título atribuído por Hipócrates, na verdade é um estudo que foi copiado de Imhotep que era Egípcio. O povo egípcio construiu grandes monumentos imortalizados, e mesmo assim, há uma grande dúvida acerca de que eles realmente tinham conhecimento para construção destes monumentos, por serem negros, há uma enorme necessidade de apagamento na história de inteligência e astucia desse povo.

No Brasil, essa modalidade de apagamento da nossa cultura, religião, culinária e adereços utilizados como forma de resistência e enfrentamento nos séculos de escravidão, se dá através da indústria da moda e da mídia, que banaliza aspectos culturais afrocentrados, desfazendo as ideias do que esses adereços trazem, banalizando esses aspectos e os diminuindo à mera utilização de moda. Isso apaga debates culturais importantes na história do Brasil, debates que colaboram para o enriquecimento cultural e impulsiona uma soberania eurocêntrica, trazendo ao senso comum, a ideia equivocada de que a nossa cultura não tem nenhuma relevância histórica colaborada pelo povo negro e indígena.

Assim, enxergamos como a indústria de moda que gera uma falsa demanda de utilização de adereços culturais, influencia o impulso da banalização de uma cultura; mas como poderíamos culpar pessoas nessa apropriação? É necessário entender que uma pessoa branca por si só não tem potencial de apropriar-se de toda uma extensão cultural, apenas por utilizar turbante ou dreadlocks, é impossível que uma única pessoa gere apagamento de toda uma cultura continental ou de um povo através da utilização de um adereço. Muito se debate que uma pessoa colabora para o impulso da comercialização destes produtos como meramente adereços de moda, mas vejamos o quanto isso se torna improvável. É impossível que uma única pessoa influencie toda uma indústria a continuar produzindo produtos culturais como adereços sem importância, porque é justamente o contrário que acontece. Nós somos todos influenciados a consumir, somos máquina de produção e consumo do capitalismo, somos 99% da população mundial que produz dinheiro e consome para que os outros 1% enriqueçam em cima da nossa produção e consumo.

Desta forma, a indústria midiática, da moda, musical, influencia toda uma questão de consumo para nós pessoas normais através do senso comum nos utilizarmos de adereços de relevância cultural, como moda e comportamento passageiros.

É importante não nos esquecermos do peso racista que traz a apropriação, porque quando uma pessoa negra se utiliza de seus elementos culturais, ela é vista depreciativamente, ao passo que quando uma pessoa branca utiliza, há sempre uma perspectiva positiva com relação à atitude da mesma, fazendo com que haja higienização na utilização de adereços culturais, trazendo benefício apenas a pessoas brancas e fazendo com que pessoas negras sejam sempre preteridas por se utilizarem de sua própria cultura. A indústria trabalha esse racismo, trazendo a falta de representatividade dentro desses aspectos culturais, colocando pessoas brancas para utilizarem turbante, cantores brancos na cultura hip-hop, como uma forma de popularizar a cultura negra de forma higienizada, banalizando a cultura negra, sem os seus representantes, apagando da história dessa cultura, seus verdadeiros protagonistas.

A priori, devemos culpar socialmente o racismo que a apropriação traz como um viés de opressão contra o povo que é “dono” daqueles aspectos culturais, mas a ponto de partida mais amplo, devemos nos ater o quanto nós podemos andar em círculos na questão da apropriação cultural, culpar uma única pessoa pela utilização de um adereço, pode ser uma forma ineficiente de combater o apagamento cultural gerado única e exclusivamente pela cultura dominante.

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